Na época em que usava capa
Na época em que usava capa para proteger do frio, para esconder na noite e para apagar as pegadas de quem me seguia, eu era feliz... nessa altura usava uma chave ao pescoço como amuleto... hoje è um objecto que tenho por todo o lado... as chaves... nesta altura não existiam carros, nem sofas, nem viagens de férias, muito menos hotéis e sítios luxuosos... era tudo vivido com a intensidade da urgência... urgência em não desperdiçar nenhum minuto, porque a morte aparecia a qualquer altura...
Ajudar os outros era uma benção e o burburinho de quem não me conhecia pouco ou nada afetava... o cheiro da floresta, a água nas folhas, a terra molhada, o som do riacho, os peixes a saltar, o uivar dos lobos, as asas da Coruja a bater perto de mim, a fogueira no centro da aldeia, os cânticos... há! os cânticos logo pela manhã... que delicia...
não havia café... nem manteiga, mas a geleia e o pão acabado de sair do forno era delicioso... e os Chás da Avó... chá da auto estima... chá de confiança... chá da coragem... os miúdos a brincar na rua, os homens a trazer lenha, a água límpida da fonte... que maravilha...
Hoje continuo a ser feliz... o burburinho continua a não incomodar e ajudar os outros é uma missão que carrego orgulhosa do caminho que já percorri, até chegar aqui... hoje há sofás, e carros, e férias em hotéis... hoje isso passou a ser importante... e quem não tem, sente que lhe faltam coisas, sente-se menos completo, e menos capaz, sente-se até com necessidade de viver menos e trabalhar mais, para conseguir tudo isso...
tenho saudades dos pés descalços na terra do cheiro da natureza e do sabor do chá... da gargalhadas dos miúdos na rua, e do sorriso no rosto sempre que acordava e dizia: - estou viva... obrigada universo por mais este dia!
By Key
Foto: Paulo Nunes